Contemporaneidade de Rubel é refletida na incursão por tradições da música brasileira no segundo volume do álbum 'As palavras'

Milton Nascimento, Liniker e Luedji Luna participam do 'lado 2' de disco duplo que mostra o artista fluminense em progresso. Capa do álbum 'As palavras vol. 1 & 2', de Rubel Bruna Sussekind Resenha de álbum Título: As palavras vol. 2 Artista: Rubel Edição: Coala Records Cotação: ★ ★ ★ ½ ♪ No conceito de Rubel, há diferenças entre as 10 faixas do primeiro volume do álbum duplo As palavras e os 10 fonogramas que compõem o repertório do segundo volume. Se as primeiras focam as contemporaneidades recorrentes na música brasileira do século XXI e na própria discografia do artista fluminense, projetado há dez anos com a edição do álbum Pearl (2013), as faixas do volume 2 estariam mais calcadas nas tradições. A rigor, os 20 fonogramas estão reunidos em um único disco nos aplicativos de música, ainda que haja a indicação de que se trata de dois lados ou volumes de um mesmo álbum. E, sim, os dois volumes de As palavras dialogam entre si. É como se as incursões do artista em movimento pelas tradições da música brasileira ao longo do lado 2 espelhassem as contemporaneidades do lado 1. É claro que o pêndulo balança ligeiramente para a tradição pelo fato de o segundo volume do álbum As palavras trazer a presença soberana de Milton Nascimento – parceiro e convidado de Rubel em Lua de garrafa, canção que evoca o universo gregário e fraterno alicerçado por Milton no movimento pop mineiro Clube da Esquina – e de o repertório se desviar do trilho autoral em duas investidas pelo repertório referencial de Luiz Gonzaga (1912 – 1989), a mais alta patente do exército musical nordestino. O solo vocal a capella de Dora Morelenbaum em Assum preto (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1950) atinge o pico de beleza de todo o álbum no inevitável confronto com o canto descolorido de Rubel. Já a integração da sanfona de Mestrinho com as programações de Rubel e Rodrigo Martins – produtor e coprodutor musical do disco, respectivamente – no canto coletivo do refrão de Forró no escuro (Luiz Gonzaga, 1958) reitera a fricção entre tradições e contemporaneidades que norteia o segundo volume do álbum As palavras, aberto com Torto arado (Rubel), canção inspirada na narrativa árida do homônimo romance publicado em 2019 pelo escritor baiano Itamar Vieira. As cantoras Liniker e Luedji Luna dividem com Rubel o canto de Torto arado na abertura deste volume em que Rubel esboça um Carnaval com a marcha Na mão do palhaço (Rubel), dona da letra mais interessante do álbum pela habilidade de o compositor resumir em poucas palavras o instante em que homem “Triste, triste, triste / Que nem um palhaço / Que nem um marido / Mas vaiado não dava pra se matar” desiste do suicídio ao se deixar arrastar por um bloco carioca. A folia de Rubel em As palavras 2 cai em dois sambas. Doutor Albieri (Rubel) é samba torto que cita o Leblon – bairro carioca que serve de cenário para a epopeia existencialista da marcha anterior – enquanto é deslocado para a nação nordestina pelo chamado da sanfona de Mestrinho. Já Samba de Amanda e Té vai atrás da tal tradição, evocada pela cadência embasada pelas percussões de Pretinho da Serrinha (cavaquinho e repique de mão), Flavinho Miúdo (surdo) e Fábio Miudinho (pandeiro). Ainda em busca da tradição da música brasileira, Rubel apresenta o bom samba-canção autoral Amor de mãe, cujo título remete à homônima novela estreada em 2019 da mesma forma que, na memória dos noveleiros, o já comentado samba Doutor Albieri evoca inevitavelmente o homônimo cientista interpretado pelo ator Juca de Oliveira na trama humanista de O clone (2001). Encerrado com take caseiro e folk de voz e violão da canção Toda beleza (Pelos loirinhos), já apresentada na forma final no lado 1 do disco com a participação da banda Bala Desejo, o segundo volume do álbum As palavras reitera a evolução de Rubel neste trabalho ambicioso que somente fará real sentido na discografia do cantor se a evolução for confirmada pela caminhada futura desse artista em progresso.

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Milton Nascimento, Liniker e Luedji Luna participam do 'lado 2' de disco duplo que mostra o artista fluminense em progresso. Capa do álbum 'As palavras vol. 1 & 2', de Rubel Bruna Sussekind Resenha de álbum Título: As palavras vol. 2 Artista: Rubel Edição: Coala Records Cotação: ★ ★ ★ ½ ♪ No conceito de Rubel, há diferenças entre as 10 faixas do primeiro volume do álbum duplo As palavras e os 10 fonogramas que compõem o repertório do segundo volume. Se as primeiras focam as contemporaneidades recorrentes na música brasileira do século XXI e na própria discografia do artista fluminense, projetado há dez anos com a edição do álbum Pearl (2013), as faixas do volume 2 estariam mais calcadas nas tradições. A rigor, os 20 fonogramas estão reunidos em um único disco nos aplicativos de música, ainda que haja a indicação de que se trata de dois lados ou volumes de um mesmo álbum. E, sim, os dois volumes de As palavras dialogam entre si. É como se as incursões do artista em movimento pelas tradições da música brasileira ao longo do lado 2 espelhassem as contemporaneidades do lado 1. É claro que o pêndulo balança ligeiramente para a tradição pelo fato de o segundo volume do álbum As palavras trazer a presença soberana de Milton Nascimento – parceiro e convidado de Rubel em Lua de garrafa, canção que evoca o universo gregário e fraterno alicerçado por Milton no movimento pop mineiro Clube da Esquina – e de o repertório se desviar do trilho autoral em duas investidas pelo repertório referencial de Luiz Gonzaga (1912 – 1989), a mais alta patente do exército musical nordestino. O solo vocal a capella de Dora Morelenbaum em Assum preto (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1950) atinge o pico de beleza de todo o álbum no inevitável confronto com o canto descolorido de Rubel. Já a integração da sanfona de Mestrinho com as programações de Rubel e Rodrigo Martins – produtor e coprodutor musical do disco, respectivamente – no canto coletivo do refrão de Forró no escuro (Luiz Gonzaga, 1958) reitera a fricção entre tradições e contemporaneidades que norteia o segundo volume do álbum As palavras, aberto com Torto arado (Rubel), canção inspirada na narrativa árida do homônimo romance publicado em 2019 pelo escritor baiano Itamar Vieira. As cantoras Liniker e Luedji Luna dividem com Rubel o canto de Torto arado na abertura deste volume em que Rubel esboça um Carnaval com a marcha Na mão do palhaço (Rubel), dona da letra mais interessante do álbum pela habilidade de o compositor resumir em poucas palavras o instante em que homem “Triste, triste, triste / Que nem um palhaço / Que nem um marido / Mas vaiado não dava pra se matar” desiste do suicídio ao se deixar arrastar por um bloco carioca. A folia de Rubel em As palavras 2 cai em dois sambas. Doutor Albieri (Rubel) é samba torto que cita o Leblon – bairro carioca que serve de cenário para a epopeia existencialista da marcha anterior – enquanto é deslocado para a nação nordestina pelo chamado da sanfona de Mestrinho. Já Samba de Amanda e Té vai atrás da tal tradição, evocada pela cadência embasada pelas percussões de Pretinho da Serrinha (cavaquinho e repique de mão), Flavinho Miúdo (surdo) e Fábio Miudinho (pandeiro). Ainda em busca da tradição da música brasileira, Rubel apresenta o bom samba-canção autoral Amor de mãe, cujo título remete à homônima novela estreada em 2019 da mesma forma que, na memória dos noveleiros, o já comentado samba Doutor Albieri evoca inevitavelmente o homônimo cientista interpretado pelo ator Juca de Oliveira na trama humanista de O clone (2001). Encerrado com take caseiro e folk de voz e violão da canção Toda beleza (Pelos loirinhos), já apresentada na forma final no lado 1 do disco com a participação da banda Bala Desejo, o segundo volume do álbum As palavras reitera a evolução de Rubel neste trabalho ambicioso que somente fará real sentido na discografia do cantor se a evolução for confirmada pela caminhada futura desse artista em progresso.