Bem na foto: como as mídias sociais influenciam os projetos de arquitetura e interiores - Casa Vogue

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É fato: mais smartphones habitam o Brasil do que pessoas. Há 242 milhões de celulares inteligentes para 214 milhões de habitantes no país. Contando tablets e notebooks, são 352 milhões de dispositivos portáteis, segundo pesquisa da Fundação Getulio Vargas. Nessa profusão de telas, as mídias sociais reinam soberanas. De acordo com dados da consultoria internacional GWI, cada pessoa passa em média seis horas e meia por dia imersa nas redes. Não à toa, estilos de vida e hábitos de consumo são cada vez mais moldados pelo que se vê no mundo online, e os especialistas ouvidos na reportagem não têm dúvidas: arquitetura e décor também são massivamente influenciados por Instagram, Pinterest, YouTube e TikTok.

O lar do diretor criativo, cenógrafo e consultor de cores da Suvinil, Michell Lott, está em constante transformação por causa de seu trabalho. Ali, o gosto pessoal pela decoração se mistura com o ofício do morador e, a cada nova versão, os cômodos ficam ainda mais surpreendentes – e sempre lindos nas fotos, que inspiram seus mais de 61 mil seguidores no Instagram: “A casa da gente se torna um pouco o espelho do que a gente faz, especialmente quando se trabalha com o universo da estética”, diz Lott — Foto: Michell Lott

“O fenômeno de criar algo marcante e que chame a atenção – o espaço instagramável – é uma tendência na decoração de interiores e na arquitetura como um todo, desde edifícios até exposições”, diz o arquiteto Sergio Lessa, professor e coordenador de pós-graduação no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Em pesquisa conduzida com sua aluna Fernanda Reis de Oliveira, o docente aponta o quanto os espaços instagramáveis estão cada vez mais presentes em mostras de arte. “Notamos que, quando há uma narrativa por trás da cenografia da exposição, é maior a afinidade afetiva do público com o conteúdo. Por outro lado, em locais como o Museu da Selfie, por exemplo, com espaços pensados apenas para tirar fotos e postar, não há muito envolvimento das pessoas com o contexto e o lugar em si, então a experiência fica mais esvaziada”, avalia Lessa.

A sala de um apartamento em São Paulo, concebido pelo escritório Todos Arquitetura, tem forte apelo estético, mas o projeto teve como premissa algo que vai além do visual: encontrar um modo prático de exibir a coleção de arte dos moradores, o que levou ao desenho do painel com cremalheiras embutidas entre as ripas, capazes de permitir uma troca fácil da posição dos quadros — Foto: Maura Mello

O professor afirma que, nos últimos anos, a criação de narrativas também vem embasando empreendimentos imobiliários com alto potencial cenográfico. “Eles têm inspirações temáticas e as referências são usadas na arquitetura dos espaços de convivência com o objetivo de torná-los instagramáveis e gerar impacto, com um forte resultado plástico”, afirma. Isso se comprova na prática na cidade de São Paulo, onde estandes de vendas de novos edifícios impressionam o público ao exibir projetos com apelo estético sem precedentes. A incorporadora Cyrela, por exemplo, tem erguido prédios cujo design das áreas comuns beiram o surreal, com soluções decorativas nada convencionais para residenciais, com temas tão inusitados quanto Jardim do Éden, embarcações e arte em vidro. Tudo pensado para o post perfeito.

“Redes sociais são meios de comunicação legítimos e acessíveis. Ao mesmo tempo, muito do que se vê ali é inexequível”, sumariza o arquiteto Fabio Muzetti, professor na PUC-Campinas. “Na internet tem muita informação que parece real, mas não é. São coisas que não conseguimos executar, mas as imagens estão lá.” O relatório Tech Trends 2023, da consultoria Deloitte, também faz um alerta nesse sentido: estamos imersos em um mundo digital com conteúdo infinitamente compartilhável e intenso uso de dados, o que pode levar ao surgimento de vieses; trata-se de “uma era de deepfake e imagens geradas por inteligência artificial”. Muzetti completa: “Além disso, as pessoas não publicam os projetos na íntegra nas redes, apenas algumas fotos e vídeos curtos. Percebemos que os alunos de arquitetura estão com um pensamento um pouco fragmentado por conta disso. O assunto é pauta em conselhos universitários para ajustes das bases pedagógicas. Particularmente, vejo que o lado positivo supera o negativo se soubermos filtrar os conteúdos”, opina.

A cena instagramável, de autoria do escritório Masquespacio, é do restaurante Living Bakkali, em Valência, Espanha, cuja proposta é oferecer experiências sensoriais ao paladar, tato e visão, tudo inspirado no Oriente Médio — Foto: Sebastian Erras

O levantamento de tendências da Deloitte ainda aponta que, após as telas diminuírem de tamanho a ponto de caberem nos bolsos, agora é a vez do metaverso. Ou seja, os usuários irão ultrapassar a limitação do vidro e terão experiências virtuais imersivas. A construtora Patriani é um exemplo de empresa que está ciente do fenômeno e tem assinado projetos de olho no futuro. “Lançamos um empreendimento residencial na cidade de São Bernardo do Campo, SP, com arena metaverso na área comum. Será entregue equipada com cadeira gamer, televisões e óculos de realidade virtual”, revela a diretora de projetos, Marilis Ceccarelli. O “espaço influencer” é outro diferencial da área de convivência de todos os residenciais da construtora, desde 2021. “Estudamos novos comportamentos e jeitos de morar. Hoje, muitas pessoas trabalham com redes sociais. Então fizemos esse ambiente com infraestrutura para a criação de vídeos e conteúdo”, conta.

Neste mundo de telas e câmeras, os estabelecimentos comerciais também devem se adequar. “Vivemos um momento em que os consumidores têm necessidade de se reconectar com os lugares físicos, e as marcas precisam pensar em estratégias para incentivar as pessoas a deixarem suas casas e se aventurarem em espaços coletivos. Com isso, o mercado de interiores passa a explorar experiências mais sensoriais e interações hipertáteis”, avalia Mariana Santiloni, gerente de client services América Latina na WGSN, empresa líder mundial em tendências de comportamento e consumo.

Segundo dados divulgados pelas próprias empresas de tecnologia, o YouTube tem 2,5 bilhões de usuários; o Instagram, 1,4 bilhão; o TikTok, 1 bilhão; e o Pinterest, 445 milhões. Todos postando e consumindo informação. Nesse universo de possibilidades, Daniel Virgnio se destaca como criador de conteúdo sobre décor. Fundador do perfil Cafofo do Dani, com mais de 170 mil seguidores no Instagram, ele revela: “Gosto de móveis soltos, que me dão a possibilidade de modificar cada cômodo com facilidade”. O lar do influenciador e do seu companheiro, o fotógrafo Derek Fernandes, passa por sucessivas transformações por conta de seu trabalho, mas tudo ali tem motivo de ser. “As peças devem ter valor afetivo, fazer vibrar um sentimento. Dou muita importância a isso. Hoje em dia, as pessoas tendem a criar ambientes para as fotos. Mas, no dia a dia, a coisa muda, se transforma, os objetos vão trocando de lugar. A vida real é muito mais gostosa. Todo dia é um mood diferente”, diz Virgnio.

A sala de jantar desenhada pelo Colombe Studio, na Polônia, foge do óbvio, causa impacto visual e faz sucesso nas redes sociais: é parte do trabalho do escritório o restauro de peças antigas com técnicas tradicionais, o que garante autenticidade ao décor — Foto: Kassia Gatkowska

Para Michell Lott, a casa também é sinônimo de transformação. Como diretor criativo, cenógrafo e consultor de cores da Suvinil, ele é famoso nas redes sociais por ter um lar colorido e surpreendente. “Quando criança, eu assistia muita televisão. Eu via que a vida na TV era mais bonita do que a realidade e isso me incomodava. Eu pensava: _Por que não posso viver numa casa tão linda quanto as dos filmes e séries?’ Habitar um lugar bonito é importante, porque traz inspiração para o dia a dia. Hoje, eu chego em casa e fico feliz. Normalmente, meu ambiente favorito é o que fiz por último, então estou sempre mudando”, diz. Lott ainda conta que “a vida real é um pouco mais bagunçada do que as fotos. Para fotografar, eu tiro os fios, controles, eletrodomésticos, porque isso polui a imagem. A fotografia é uma versão curada da realidade, vista de apenas um ângulo. A vida real é 360 graus”, reflete.

O arquiteto Maurício Arruda, do escritório Todos Arquitetura, aponta que as redes se tornaram fonte de informação da maioria dos clientes. “Eles sabem sobre o mercado, a disponibilidade de materiais, as diferentes soluções. Ficou mais democrático poder acessar tudo pelo celular”, diz. “Quase 100% das vezes, já chegam ao nosso escritório com uma pasta de referências no Pinterest. Nós valorizamos o protagonismo do morador e incorporamos isso na metodologia de projeto.”

Por outro lado, o bombardeio de imagens a que as pessoas se submetem pode levar a expectativas irreais para a própria casa. “Temos que nos perguntar: _O que há por trás da referência que o cliente trouxe? Do que ele precisa?’ E assim o ajudamos a navegar por uma série de possibilidades, trazendo novas ideias”, afirma o arquiteto Fábio Mota, sócio do Todos Arquitetura. Outra consequência do intenso uso das redes para se inspirar é uma possível padronização estética quando apenas se reproduz aquilo que se vê. “Algumas linguagens acabam massificadas em termos de interiores, mas não necessariamente fazem a pessoa se sentir bem. A casa deve ter memórias afetivas, luminosidade correta, ergonomia, texturas confortáveis e paleta cromática agradável aos moradores. Assim saímos dos modismos, vamos além das tendências e criamos lares que são reflexo de quem vive ali. As redes sociais privilegiam o olhar, mas esse é apenas um dos sentidos. É preciso pensar os interiores de forma multissinestésica”, diz Mota.

Stephanie Ribeiro, arquiteta e apresentadora do programa Decora no GNT, concorda com o raciocínio e complementa: “Acredito que as redes sociais aumentaram a necessidade de profissionais para direcionar as pessoas na decoração. Quando não se tem apoio profissional, muitos acabam apenas copiando o que veem só por ser bonito, sem que seja funcional, agradável e alinhado ao cotidiano”. E qual a dica para ampliar os horizontes e se inspirar para além das telas? Stephanie sugere: “Ler revistas de outros países, viajar e visitar museus me deixa cheia de ideias. Às vezes, também gosto de alugar apartamentos no Airbnb para experimentar como é morar em outros contextos. Fiz isso um dia no Copan, por exemplo”, revela. Ela acrescenta que um lado positivo das redes sociais para o décor é o “faça você mesmo”, ou DIY (em inglês, do it yourself). De fato, muitos têm se inspirado a criar e construir com as próprias mãos: só no TikTok, a hashtag #DIY tem mais de 257 bilhões de visualizações em todo o mundo.

Para o arquiteto e fotógrafo André Scarpa, embora as redes sejam ótimas na coleta de referências e na comunicação com clientes, elas podem afetar o olhar. “Aí mora um perigo: algumas pessoas param de vivenciar os lugares para apenas tirar fotos e postar. Perde-se o sentido. O espaço se reduz a uma imagem, quando deveria ser mais do que isso. Mas não podemos culpar as redes, e sim a forma como as usamos. É importante enxergá-las como ferramentas a nosso favor”, afirma.

Com mais de 1 milhão de seguidores no Instagram e outro milhão no YouTube, a arquiteta e artista plástica Patricia Pomerantzeff tornou-se referência nas redes sociais quando o assunto é décor. À frente do escritório Doma Arquitetura, ela divide o tempo entre a profissão de arquiteta e a administração de seus perfis na internet, onde compartilha dicas, projetos e obras. “Os clientes olham nossos projetos e chegam com referências quase como uma colcha de retalhos, pedindo: _Quero esta cozinha, com aquela sala e aquele quarto’. Mas nós explicamos que cada desenho é único e não se repete. No final, eles costumam dizer: _Não ficou como eu imaginava, mas ficou a minha cara’”, conta. Por postar na internet todos os detalhes dos trabalhos, Patricia diz que há quem ultrapasse a barreira da inspiração e praticamente copie ideias e ambientes. “Não vejo como problema, porque, ao compartilhar os espaços, isso pode acontecer. É bacana que estejam querendo fazer algo parecido. Então nos esforçamos para não haver repetição e procuramos sempre inovar”, pondera.

O fascínio do público com imagens de decoração na internet foi analisado pela Deloitte nos Estados Unidos: 40% dos americanos são influenciados pelas mídias sociais ao escolher móveis ou reformar a casa. Entre os millennials (ou geração Y, dos nascidos entre 1981 e 1996) o número chega a 60%. “As pessoas não deveriam buscar por ambientes instagramáveis para suas casas, e sim por espaços de qualidade – fazer sucesso no Instagram vai ser um resultado disso. Se não, corre-se o risco de colocar coisas supérfluas que não fazem sentido, tornando o projeto insustentável”, opina Scarpa. O professor Lessa concorda: “Sem refletir a história e a essência do morador, a decoração se torna apenas um modismo”, diz. E, quando se trata de modismo, o ciclo de vida do produto dura só até a próxima tendência chegar – situação crítica quando se pensa em móveis, que empregam muita matéria-prima e são volumosos.

Em inglês, há um termo para isso: fast furniture, que deriva do mesmo conceito de fast fashion. São artigos produzidos em massa e com preço baixo. “O fast furniture não tem _sustentabilidade emocional’. Se tudo for percebido com uma vida útil curta, será que cuidaremos bem desses itens? Esse tipo de produção tende a não incorporar uma história. Já ao adquirir uma peça de mobiliário que se pretende manter e passar para familiares ou filhos, há um investimento emocional mais significativo”, explica Deana McDonagh, pesquisadora de design empático e professora na University of Illinois Urbana-Champaign (Estados Unidos). “Seria melhor, por exemplo, comprar um item significativo por ano, começando na juventude. Quando estivermos mais estabelecidos, por volta da meia-idade, veremos a casa repleta de artigos com os quais compartilhamos nossa vida e criamos memórias”, reflete. Isso, sim, daria um belo retrato.

Do clique de um ambiente propositalmente chamativo ao botão "publicar" nas mídias sociais cabe uma série de reflexões sobre projeto, narrativa, cenografia, autoria e tendências. Entenda como aquilo que se vê nas telas tem influenciado cada vez mais o décor e a arquitetura - e quais as implicações disso



Confira a matéria na íntegra em: https://casavogue.globo.com/arquitetura/noticia/2023/03/midias-sociais-e-arquitetura.ghtml




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