Comporta: o que é o luxo? O que é a sustentabilidade? - UOL

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O luxo refere-se ao consumo de bens e serviços cujos altos padrões de qualidade excedem a mera satisfação de uma necessidade primária. Por essa qualidade paga-se um preço. E ao se pagar esse alto valor garante-se exclusividade. Quanto mais exclusivo, maior o isolamento social. Para muitos, o luxo é, por isso, uma experiência individual e discreta. Tão discreta que o luxo é normalizado.

Há também um mercado do luxo paralelo. É quando o comprador não se interessa pelo excedente de qualidade do produto ou serviço a ser adquirido –que até pode não existir–, mas apenas pela própria experiência da compra ou pela influência social que gera. A exclusividade deixa de ser uma consequência e passa a ser a causa.

Nesse espectro, onde se situa a Comporta, em Portugal? É descrita como um dos destinos de verão mais chiques na Europa por dezenas de publicações e visitada por bilionários e celebridades icônicas. Por que tem atraído tantos brasileiros?

Ao longo dos séculos foi mantida por famílias ligadas à realeza portuguesa, por um grupo econômico inglês (The Atlantic Company) e pela família Espírito Santo, uma das mais capitalizadas no país, até à sua implosão econômica em 2014, motivada por escândalos de corrupção. Hoje pertence a uma bilionária portuguesa e a um bilionário francês (desde 2019). Antes de ser um destino turístico, a Comporta foi uma colossal propriedade agrícola onde se cultivou principalmente arroz. Os arrozais continuam onipresentes, plantados paralelamente ao longo areal de praia atipicamente branco.

Apesar de algumas lojas e restaurantes hippie-chic, a infraestrutura local ainda reflete o passado agrícola e empobrecido da região. O poder de compra per capita dos habitantes do concelho é menos de metade do dos residentes em Lisboa e Porto e abaixo da média nacional (dados Pordata).

É uma paisagem de uma certa decadência industrial, com muitos imóveis devolutos e terrenos agrícolas de águas pantanosas a perder de vista, que atraem a maior concentração de pernilongos no país, segundo a associação ambiental ZERO. Quem visita a Comporta, vindo do sul, passa também ao lado do presídio de alta segurança de Pinheiro da Cruz, a poucos quilômetros de beach resorts de luxo.

Vivem na região da Comporta cerca de 3.000 portugueses, a maioria ainda ligada à agricultura e à pecuária, encastelados em três pequenas aglomerações urbanas (Brejos da Carregueira de Baixo, Carvalhal e Comporta), com o casario costumeiro a qualquer freguesia alentejana.

A paisagem natural, belíssima, também não é exclusiva da Comporta. O famoso areal prolonga-se quase até Sines, uma cidade industrial a cerca de 50 km, que abriga a única refinaria de petróleo do país. A vasta mancha de pinheiros que compõe a reserva ecológica é um cenário natural que pode ser encontrado em quase todo o território português, principalmente na região da Beira Baixa.

Nos últimos anos, a Comporta tem sido loteada e os terrenos vendidos para a construção de hotéis de charme, quase todos ecológicos, e de casas de alto padrão, cujos proprietários são quase todos estrangeiros. Estes novos empreendimentos são descritos com a mesma frugalidade com que o poeta grego Antípatro de Sídon listou as sete maravilhas do mundo antigo.

A Comporta não é um vasto condomínio murado com campos de golfe e paisagem naturais apenas acessíveis a moradores (como a Quinta do Lago ou a Quinta da Marinha em Portugal), construído onde pouco havia. O megaprojeto imobiliário e turístico está a ser fincado num centenário espaço natural, residencial e agrícola que o precede. Mas, aparentemente, falta uma visão holística de desenvolvimento sustentável intercomunitário.

Caminhos rurais de acesso à praia, usados desde sempre pelas comunidades locais, estão a ser barrados por cancelas que dão acesso aos novos lotes. Isso é visível por exemplo em Brejos. Aquilo que a prefeitura (e o Waze) diz que é público passou a ser privado. A experiência de luxo da Comporta é fisicamente ilhada. É geralmente dentro de um edifício à beira-mar.

O sucesso destas duas perspectivas depende da adoção de um projeto sistêmico de sustentabilidade que vá muito além das práticas ecológicas adotadas individualmente pelos empreendimentos turísticos.

Na ótica do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e da Organização Mundial do Turismo, o turismo sustentável, cada vez mais preponderante, tem que ter em consideração os impactos econômicos, sociais e ambientais atuais e futuros, atendendo às necessidades dos visitantes, da indústria, do meio ambiente e das comunidades locais.

Em 2006, a então Herdade da Comporta publicou uma política de sustentabilidade, assentada em vários pilares: perpetuar a natureza, integrar a comunidade, divulgar o patrimônio, dinamizar economicamente a região. Previa-se o envolvimento da comunidade local através da educação, formação e incentivo à criação de atividades econômicas. Já existe, por isso, um precedente que pode ser seguido.

Sem sustentabilidade e sem inclusão social, o luxo da Comporta torna-se extrativista e ocasional. Só com a adoção de um programa de longo prazo de desenvolvimento sustentável, que vá além de questões ambientais ou legalistas, é que a Comporta se tornará um produto de qualidade, não apenas uma liturgia.

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