ConJur - Lawrence Lino: Lavagem de dinheiro, criptomoedas e off ... - Consultor Jurídico

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As criptomoedas são uma das grandes inovações tecnológicas do século 21. A possibilidade de realizar transações sem terceiros intermediários é uma de suas características que servem de grande atração para usuários da internet em todo o mundo.

Essa qualidade das criptomoedas é possível em decorrência dos avanços da tecnologia criptográfica [1]. Uma intrínseca característica das informações computacionais que as impede de, sem intermediários, servir como moeda é o fato de que é possível realizar múltiplas cópias de um mesmo dado. Isso se denominou de problema do "gasto duplo" (double-spending). Quando se envia uma informação de um computador A para um computador B, aquela continua disponível no dispositivo remetente, de tal sorte a permitir novamente o envio para outrem [2].

Até o surgimento do bitcoin (BTC), a alternativa para esse problema era a de confiar em alguém para intermediar as transações no ambiente digital. Com o surgimento desse ativo virtual, a dificuldade técnica foi solucionada não a partir de um intermediário verificador das informações, mas a partir de um incontável número de pessoas que, organizadas na internet, poderiam oferecer força computacional para servir como pontos verificadores das transações eletrônicas. Nessa lógica, quando houvesse realização de uma transação, a informação seria enviada a vários computadores ao redor do mundo, os quais validariam ou não a operação realizada. Se para 50% mais um deles a informação estivesse correta, a transação seria gravada em um grande livro-razão. É assim, de forma sintética e simplificada, que funciona a tecnologia blockchain [3].

À possibilidade de transacionar sem intermediários, em escala global, com o registro das transações na blockchain correspondem três características do BTC que Johanna Grzywotz entende como facilitadoras da lavagem de dinheiro: a) descentralização; b) pseudoanonimidade; e c) globalidade [4].

Quanto à descentralização, não há quem possa verificar e relatar transações ou comportamentos suspeitos em geral, ou seja, não há uma autoridade administrativa central. Para as agências de aplicação da lei, o único lugar para ir são os intermediários, os quais nem sempre existem, haja vista que o BTC pode ser transacionado de forma puramente privada, sem intervenção de terceiros (peer-to-peer ou P2P) [5].

Quanto à pseudoanonimidade, a autora afirma que, diferentemente do que se poderia acreditar, o BTC não é um meio de transação anônimo, apesar de conferir um grau significativamente maior de privacidade e anonimato do que a moeda do Estado. Um exemplo é o próprio fato de "abrir uma conta", que não exige comparecimento pessoal ou identificação, podendo inclusive uma única pessoa abrir várias contas. Todavia, o outro lado da moeda é o fato de que todas as transações são registradas na blockchain. Assim, conquanto seja um sistema caracterizado por um certo anonimato, também pode ser identificado como bastante transparente, motivo pelo qual se atribui a característica da pseudoanonimidade [6].

Em terceiro lugar, há a característica da globalidade. Com isso a autora quer dizer que, com o BTC, é possível realizar transações transfronteiriças sem obstáculos, bastando acesso à internet. Desse modo, as transações podem ser feitas em países que têm pouca ou nenhuma prática adequada à lavagem de dinheiro, sem um órgão de controle intermediário [7].

Dados atuais sobre lavagem de dinheiro com criptomoedas Os dados obtidos pela Chain Analysis, em seu The 2023 Crypto Crime Report, relativos à lavagem de dinheiro a partir de criptomoedas (o que inclui o BTC, mas não se limita a ele), indicam que, em 2022, US$ 22,8 bilhões foram lavados por meio desses ativos virtuais. Trata-se de um acrescimento de 68% sobre os US$ 14,2 bilhões do ano de 2021. É necessário ressaltar que esses números são provisórios, uma vez que constantemente são identificadas novas operações ilícitas. Assim, muito provavelmente os números reais são maiores [8].

A destinação dos valores ilícitos que saíram das carteiras se concentrou nas exchanges centralizadas, mas com um aumento no envio às descentralizadas em relação ao ano de 2021. Os hackers que furtaram valores de terceiros foram os únicos agentes que enviaram majoritariamente os valores às exchanges descentralizadas. Nos outros casos, relativos a criptomoedas obtidas por meio de scam, ransonware, fraudes, mercado da darknet etc., a destinação, em geral, se concentrou mais nas exchanges centralizadas [9].

Vê-se, assim, que, para além dos hackers, os outros cripto criminosos, no geral, destinam os valores diretamente às exchanges centralizadas, mas com algumas exceções. Os vendedores e administradores de mercado da darknet enviam a maior parte de seus fundos para outros serviços ilícitos, principalmente outros mercados da darknet, alguns dos quais oferecem serviços de lavagem de dinheiro. Esses endereços também enviaram uma grande parte dos fundos para exchanges de alto risco, como a Bitzlato, que é uma bolsa com sede na Rússia fechada em uma ação internacional por sua atividade de lavagem de dinheiro. Outro interessante caso é o dos ataques com ransomware, na medida em que as carteiras relacionadas a eles enviam desproporcionalmente uma grande quantidade de fundos aos mixers [10] e também fazem uso maciço de serviços ilícitos [11].

Em suma, cerca de metade dos valores ilícitos são destinados diretamente às exchanges centralizadas de alto risco e mainstreams, onde os criminosos podem trocá-los por moeda estatal, a não ser que os setores de compliance identifiquem a operação suspeita.

É possível observar, assim, que os serviços de off-ramping [12], que trocam criptomoedas por moeda fiduciária, são cruciais para a lavagem, na medida em que, como regra, o objetivo final dos lavadores é, efetivamente, ter o dinheiro em moeda fiduciária. A despeito disso, tais serviços estão entre os mais regulados no meio das criptomoedas, com aplicação de mecanismos de compliance para evitar a prática da conversão daquelas em moeda fiduciária. Há, nesse sentido, alguns poucos desses serviços que receberam a maior parte dos fundos ilícitos [13].

No ano de 2022, 915 serviços de off-ramping receberam valores ilícitos em criptomoedas, um número menor do que os 1.124 de 2021. Do total dos valores ilícitos enviados, 67,9% se destinaram apenas a cinco desses serviços — todos exchanges centralizadas. Em alguns casos, os lavadores trabalharam com serviços especializado de lavagem, que controlam as contas e os ajudam a converter as criptomoedas em moeda fiduciária. Alguns poucos desses serviços controlam a maior parte das práticas de lavagem, seja por negligência, seja por propósitos criminosos [14].

Em outras palavras, a maior parte da lavagem de dinheiro com criptomoedas é facilitada por um pequeno grupo de pessoas. Apenas quatro endereços de depósito receberam US$ 100 milhões ou mais. Os quatro, juntos, receberam mais de US$ 1 bilhão  em criptomoedas. Em comparação, 1.220.154 endereços receberam de 0 a US$ 100, em um total de US$ 38 milhões em criptomoedas ilícitas [15].

De todo modo, é graças à transparência da blockchain que tais dados podem ser obtidos. No ano de 2022, o saldo total a partir dos crimes despencou de US$ 12 bilhões para US$ 2,9 bilhões, devido muito provavelmente a quedas de preço no mercado e a grandes e bem-sucedidas apreensões dos valores. Em 2022, algumas notáveis apreensões de criptomoedas ocorreram, como o recorde de US$ 3,6 bilhões apreendidos de dois indivíduos acusados de lavar fundos oriundos do hackeamento, em 2016, da Bitfinex; e a apreensão, ocorrida em novembro de 2021, de US$ 3,36 bilhões em BTC furtado do mercado Silk Road, anunciada em novembro de 2022 [16].

Assim, é possível observar uma característica essencial que diferencia as investigações financeiras em criptomoedas em relação às moedas fiduciárias: com as criptomoedas, as posses ilícitas não podem ser escondidas em redes opacas de bancos e empresas de fachada, na medida em que tudo está aberto[17].

Com isso é mente, é necessário se ater ao fato de que o momento em que há transferência das criptomoedas para um serviço off-ramping é a etapa mais importante para o processo de lavagem. Os fundos não podem mais ser rastreados pela análise da blockchain quando eles chegam a determinado serviço. Isso porque quando se deposita criptomoedas no endereço de depósito em um serviço, este chega a mover os valores internamente, agrupando-os e misturando-os com os fundos de outros usuários. O que resta, então, para os órgãos de investigação, é entrar em contato com os serviços ou intimá-los para obter mais informações a respeito sobre a destinação dos fundos [18].

Mas como impedir tais práticas? Parece ser o caso de que as saídas preventivas seriam a melhor forma de controle, cabendo ao Direito Penal uma atuação subsidiária, por meio da verificação de omissões e quebras de responsabilidade [19].

Ocorre que os serviços de off-ramping são alguns dos mais regulados do mercado de criptomoedas, conforme já salientado, recaindo a poucos indivíduos a responsabilidade de parte considerável da lavagem. Assim, não sem razão Renato de Mello Silveira aduz que as possibilidades preventivas nesse meio muito dependem de uma pactuação a nível internacional acerca da utilização das criptomoedas, bem como da estipulação de limites eventuais impostos ao anonimato [20].

[1] A criptografia, etimologicamente, significa "escrita secreta", e diz respeito a técnicas utilizadas para gerar confidencialidade a determinada informação. Atualmente, as técnicas criptográficas não se limitam ao sigilo, mas incluem quaisquer outras propriedades de segurança relevantes, como verificação de integridade, autenticação, não-repúdio ou irretratabilidade, e anonimado. Cf. ARANHA, Diogo F. O que é criptografia fim a fim e o que devemos fazer a respeito? In: DONEDA, Danilo; MACHADO, Diego. A criptografia no direito brasileiro. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Basil, 2019, p. 23.

[4] GRZYWOTZ, Johanna. Virtuelle Kryptowährungen und Geldwäsche. Berlin: Duncker & Humblot, 2019, p. 98-100. Aos que não tiverem acesso à obra, há uma excelente resenha escrita pela Professora Heloísa Estellita, disponível em: https://www.scielo.br/j/rdgv/a/5ZM5yQPnV5yV3jQyDZyVCSR/?lang=pt.

[10] A utilização de mixers na lavagem de dinheiro é bastante comum. Conforme Túlio Vianna e Lucas Miranda, os mixers são utilizados na segunda etapa da lavagem de dinheiro, correspondendo a um embaralhamento, a fim de distanciar os valores de sua origem ilícita e dificultar sua identificação. Cf. VIANNA, Túlio; MIRANDA, Lucas. Bitcoin e lavagem de dinheiro: como as criptomoedas podem revolucionar o crime de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 163, p. 265-309, São Paulo, jan. 2020, p. 292 e ss.

[12] São os serviços os quais permitem que a pessoa "saque" as criptomoedas, convertendo as moedas ou os tokens em moeda fiduciária ou, também, em bens ou serviços. Cf. MORELAND, Kirsty. On-Ramps e Off-Ramps de Cripto: Como e Onde? Disponível em: https://www.ledger.com/pt-br/academy/cripto/on-ramps-e-off-ramps-de-cripto-como-e-onde. Acesso em: 23 fev. 2022.

[18] CHAIN ANALYSIS. Why You Can't Trace Funds Through Services Using Blockchain Analysis (And Why You Don’t Need to Anyway). 2020. Disponível em: https://blog.chainalysis.com/reports/blockchain-analysis-trace-through-service-exchange/. Acesso em: 23 fev. 2023.

Lawrence Lino Monteiro de Mendonça é graduado em Direito pela UFRN, orador campeão da 3ª Competição Brasileira de Direito e Processo Penal (Instituto de Ciências Penais), cofundador do Grupo Potiguar de Ciências Criminais (PotiCrim) e membro da Abracrim-RN e do Clube MetaJurídico.



Confira a matéria na íntegra em: https://www.conjur.com.br/2023-mar-06/lawrence-lino-lavagem-dinheiro-criptomoedas-off-ramping